Nunca subestime um homem de sunga e guarda-sol

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Foi fácil notar em alguns ocupantes sazonais da Praça da Estação certa euforia frente a uma cobertura inesperada da mídia corporativa. Segue abaixo os comentários de um José Ninguém sobre tal cobertura.

Era só mais um verão morto em Belo Horizonte, época de cidade vazia e preguiçosa, quando a prefeitura costuma aumentar as passagens de ônibus e os funcionários dos jornalões mendigam “notícias” por aí. É claro que a cidade continua se movimentando e as coisas continuam acontecendo: a chuva e o descaso continuam derrubando casas nos morros, a PM continua cometendo atrocidades, as obras da Antônio Carlos e da Brasilinha do Aécio continuam servido de fachada para desvios de dinheiro… Mas é claro que isto não é “notícia” para os funcionários dos jornalões! Isto envolveria pesquisa, trabalho jornalístico, seriedade, compromisso com a confiança depositada nos jornais… Naaah.

O que estes funcionários (porque chamá-los de jornalisas seria demais, né?) queriam era uma “notícia”, algo divertidinho, interessante, algo para a família mineira poder consumir no almoço e esquecer até a hora do jantar.

Foi aí que BUM!, jovens em roupas de banho invadem uma praça! Os funcionários dos jornalões estavam salvos!


E eles fizeram seus trabalhos muito bem: fizeram boas tomadas do filtro solar, algumas chamadas engraçadinhas e pronto! Estavam preparados para esquecer esta e partir para a próxima “notícia” do momento.

É claro que nenhum dos funcionários se deu ao trabalho de sair do superficial. Os manifestantes eram úteis pra preencher o horário do circo de notícias locais entre as novelas, deviam ser uma imagem mais no show de sombras do intervalo.

Os funcionários dos jornalões falaram dos artistas, dos guarda-sóis, dos biquinis e de tudo mais que combinasse com o cafezinho da tarde, mas mostrando tudo isto esconderam de seus leitores/telespectadores o mais importante: do que se tratam, de fato, estas ocupações da Praça da Estação? O que está em jogo? O que está sendo proibido?

Artigo 5o. da Constituição Federal de 1988, parágrafo XVI afirma, e o segundo parágrafo da Legislação Municipal confirma:

“todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;”

O artigo 5o. da CF 88 é pétreo, o que significa, em bom português, que é um puta trampo derrubá-lo. E por quê isto? Porque ele trata de alguns dos direitos e liberdades considerados os mais básicos para a manutenção da democracia e do Estado de Direito no país.

Decreto Nº 13.798, de 09 de dezembro de 2009, do prefeito socialista Márcio Lacerda consegue numa jogada só atacar o direito de ir e vir, de reunião, de manifestação e de expressão. A simbologia dos eventos torna tudo ainda mais absurdo, embora muita gente pareça não ter compreendido. A praça e o povo nela reunido são a imagem mais clássica dos sentidos de democracia. Quando o prefeito decretasitiamento da praça, ele consegue criar um símbolo tão óbvio de autoritarismo, elitismo e anti-democracia, que chega a ser uma afronta a imprensa não tratar isto com a devida atenção.

Se os banhistas-manifestantes das Praias da Estação, os bicicleteiros das Bicicletadas, os poetas e boêmios dos sarais e as centenas de cidadãos que diariamente percorrem a Praça e suas fontes decidiram por formas bem humoradas de desobediência civil, foi por perceberem esta estratégia como uma boa tática de resistência.

Não é porque brincamos enquanto nos manifestamos que não estejamos dispostos a defender com unhas, dentes e filtro solar nossos direitos.

Nunca subestime um homem de sunga e guarda sol.

2 Respostas to “Nunca subestime um homem de sunga e guarda-sol”

  1. Gisele Says:

    Gostaria de colaborar com o movimento de livre acesso à Praça da Estação, no sentido de questionar se alguém (algum movimento) se lembrou de entrar com uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra a medida da prefeitura.
    Outra coisa: uma cláusula pétrea da Constituição, não é algo “difícil de derrubar”, como diz o comentário, mas sim, impossível de derrubar. Somente uma nova Constituição poderia instaurar novas regras, sem as cláusulas pétreas desta Constituição atual.
    Um abraço.
    Sucesso!
    Gisele

  2. LB2 Says:

    fino.

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